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quinta-feira, 7 de novembro de 2013

Equitação Terapêutica e a Terapia da Fala

         A Equitação Terapêutica é definida como um método terapêutico e educacional que utiliza o cavalo como instrumento de reabilitação.
       Então, como pode a Terapia da Fala inserir-se neste contexto? Para que possamos refletir sobre a interface da Terapia da Fala com a Equitação Terapêutica e  traçar um paralelo entre ambas é necessário definir  o que é a Terapia da Fala. 
A Terapia da Fala é a profissão da área da saúde que pesquisa, previne, avalia e trata as alterações da voz, fala, linguagem, audição e aprendizagem.  Na realidade, todas as  áreas de atuação têm em comum o fato de terem, de algum modo, interferência no processo de comunicação humana. Dentre as  áreas de atuação do Terapeuta da Fala, é importante destacar a diferença entre linguagem e fala. A linguagem é o processo mais amplo na comunicação humana e é através dela que é possível o ser humano estabelecer-se como tal. É através da linguagem que podemos expressar nossos desejos, pensamentos e ideias. A linguagem pode ser expressa de forma gestual, gráfica, escrita ou oral, verbal ou não verbal. 
O movimento tridimensional associado à intervenção terapêutica possibilita que haja alongamentos, mobilizações  e ativação de grupos musculares que propiciam um desenvolvimento motor global, onde todo o corpo é tem benefícios.
Se acompanharmos as aquisições motoras do desenvolvimento normal e as correlacionarmos às aquisições da fala e linguagem, podemos entender os efeitos do movimento tridimensional no corpo, na fala e na comunicação dos praticantes da equitação terapêutica.
Ao nascer, os bebés possuem o reflexo de sucção, primeira função estomatognática a surgir, seguida da deglutição. Nessa fase, os ombros estão elevados, a respiração é rápida e curta, a laringe está elevada, a língua ocupa toda  a cavidade oral. Toda essa biomecânica só permite que o bebé produza sons nasais e que a sua sucção seja realizada em movimentos antero-posteriores da língua.
Com o desenvolvimento, os músculos cervicais vão sendo alongados e a musculatura supra e infra-hióidea vai sendo ativada. O apoio de braço, que ocorre por volta dos 4 meses, vai fortalecendo a musculatura extensora de tronco, tão importante para o controle de cabeça. A criança vai refinando as suas aquisições, até que aos 6 meses consegue sentar-se com apoio. Começa a transferir peso de um lado do corpo para o outro. Na aquisição oral, tal fato viabiliza que a mandíbula também sinta a ação da gravidade de forma alternada, possibilitando a introdução de alimentos mais sólidos para que possam ser mastigados. Tal sequência de eventos promove a lateralização da língua, aumentando a sua mobilidade em diferentes planos fazendo com que seja possível, não só refinar o controle para a alimentação, mas também para a posterior articulação de fonemas. Como é sabido na literatura especializada, para que haja mobilidade é necessário haver pontos de estabilidade, portanto para poder movimentar a língua para falar e alimentar-se é preciso que a mandibula esteja estável. E a estabilidade de mandíbula depende de todo o processo que já vimos.
Na Equitação Terapêutica, podemos realizar atividades que envolvam a rotação do tronco, apoio de braço, transferência de peso, alongamento da musculatura flexora do tronco,  possibilitando a ativação da  musculatura extensora do tronco e respiratória. Além disso podemos utilizar manuseamentos que induzam um controle mais efetivo da cabeça, estabilizando assim a musculatura hióidea, possibilitando que a língua possa ter mais mobilidade.
Além das atividades dirigidas ao desenvolvimento motor global e oral, a linguagem também é trabalhada, pois os terapeutas da fala atuam como interlocutores e os pacientes são expostos a um ambiente rico em estímulos, desenvolvendo a perceção e promovendo a vontade de compartilhar o que vê, ouve e sente. Assim, amplia-se o mundo de conhecimento da criança, já que é possível que ela explore o cavalo sempre de formas diferentes e fazendo correlações com seu próprio corpo e com a sua vida.
Outro fator importante é que as informações recebidas através dos ísquios, que ascendem ao cérebro durante a montaria, estimulam fortemente a formação reticular e com isso melhoram a atenção e a concentração do praticante, permitindo melhor interação interpessoal, que é a base para comunicação.
Portanto, para que haja comunicação é necessário a presença de alguns elementos: ter o que comunicar, como comunicar e ter quem ouça. Em outras palavras, é preciso que a criança saiba o que quer expressar (desejo, sentimentos, ideias, conhecimentos). Para tal, é necessário que haja o mínimo de cognição para perceber que seus atos comunicativos geram reações e para organizar os eventos que deseja comunicar. Também é importante ter algum canal que expresse sua linguagem e que essa linguagem possa ser entendida e aceite pelo interlocutor.
Segundo a teoria sócio-interacionista de Vygotsky, para que haja comunicação é preciso que exista um contexto situacional. No caso da Equitação Terapêutica, esse contexto é dado pelo cavalo e o seu mundo: a sela, o que ele come, a sua cor, a sua textura, o seu comportamento, a sua estrutura anatómica. Enfim, todo o contexto em que o cavalo se insere e que o terapeuta relaciona com o mundo da criança.

Fonte: http://pt.depositphotos.com/
Outros fatores que interferem na comunicação:
  • audição para receber  e interpretar estímulos;
  • funções orais (sucção, deglutição, mastigação e fala);
  • boa postura corporal influindo na respiração e consequentemente na produção da voz.

Para facilitar o desenvolvimento da linguagem é necessário:
  • Esperar pela resposta e valorizá-la;
  • Buscar sempre o máximo que pode dar, sem no entanto, exigir mais do que ele possa realizar;
  • Utilizar meios alternativos de comunicação em casos de incapacidade de comunicação oral;
  • Adaptar a linguagem ao seu nível, sempre procurando expandi-la;
  • Explicar os significados das palavras;
  • Narrar os acontecimentos previamente, para desenvolver a sequência de eventos;
  • Comentar situações vivenciadas por ele  e mencioná-las em outras sessões, para que a criança possa lembrar e ter a ideia de tempo passado.

ASPETOS E SUGESTÕES PARA ATIVIDADES DO TERAPEUTA DA FALA NA EQUIPA
  • É uma terapia complementar e, dentro dela, cada um dos profissionais envolvidos pode desenvolver objetivos específicos, embora compatíveis com um planeamento global. Não se pode perder de vista a dimensão do tempo disponível e a atuação transdisciplinar da equipa;
  • O fato de se lidar com o cavalo, propicia o surgimento de situações que demandam diálogo espontâneo, tornando a terapia mais ativa e dinâmica. O cavalo é um instrumento de integração sensorial. A criança toca o cavalo e percebe a sua textura, temperatura, o seu movimento, ouve os seus passos e o relinchar, sente o seu cheiro e vê a sua forma, cor e tamanho, sente seu movimento, tudo ao mesmo tempo. São trabalhados todos os canais sensoriais: audição, visão, proprioceção, tato, gustação, olfato. 
  • O contato da criança com o meio ambiente de forma livre e ativa, porém supervisionada, permite que ela desenvolva aspetos psicomotores mais rapidamente. No consultório, mesmo que a psicomotricidade seja trabalhada ela será feita de forma mais estática e com menos recursos.
  • Os aspetos gráficos da escrita são trabalhados restritivamente na Equitação Terapêutica, pois o posicionamento no cavalo e a sua movimentação dificultam a realização da escrita.
  • Conjunto de procedimentos práticos que podem ser utilizados: avaliar e traçar metodologias terapêuticas adequadas para cada praticante; promover o desenvolvimento da expressão corporal dos praticantes; participar na escolha e realização dos materiais didáticos; participar nas decisões e elaboração dos planeamentos; desenvolver trabalhos de prevenção, no que se refere à área de comunicação escrita e oral; orientar pais sobre questões de alimentação, como estimular a linguagem, como lidar com as dificuldades na escola etc.; sugerir e discutir com a equipa encaminhamentos quando o praticante necessite de outras terapias específicas; estimular a linguagem de forma alternativa, quando for o caso.
  
ÁREAS  
A utilização de recursos pressupões que estes sejam adequados e criativos, devendo incidir na promoção dos objetivos definidos para cada paciente, assentes nas seguintes áreas:

Estimulação sensorial
·Visual
·Auditiva
·Gustativa
·Tátil
·Olfativa
·Propriocetiva
·Equilíbrio

Motor global:
·Conscientização corporal
·Função do corpo
·Localização do corpo no espaço

Motor fino:
·Escrita
·Funções manuais (cortar, desenhar etc.)


RECURSOS

Considerando os aspetos lúdicos e técnico-terapêuticos, os materiais devem ser simples, dependendo dos objetivos pretendidos.
Podemos utilizar:
·Jogos simbólicos
·Livros de histórias
·Luvas e materiais de diferentes texturas
·Cartões com figuras diversas e números
·Bolas de diferentes cores, tamanhos e formas
·Jogos de encaixe
·Palhinhas, Espátulas
·Espelho
·Materiais sensoriais (gelatina em pó, massinhas, objetos com cheiros, brinquedos sonoros e visuais)


Vanessa Gouvêa

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