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domingo, 11 de julho de 2010

Métodos e procedimentos de intervenção nas perturbações da linguagem

As crianças com perturbações da linguagem constituem um dos grupos das necessidades educativas especiais (NEE) que estão maioritariamente inseridos na sala de ensino regular (Bernstein e Tiegerman, 1993; Correia, 1997). Torna-se crucial que os profissionais sejam capazes de identificar este tipo de problemas, que estejam familiarizados com as causas comuns dos problemas de comunicação, que detectem a severidade dos problemas ao nível do encaminhamento para outros serviços e que desenvolvam algumas estratégias de intervenção nos contextos educacionais.
Na investigação recente, a ênfase dada aos problemas de comunicação deixou de se centrar apenas na abordagem dos problemas da fala para se centralizar também nas perturbações da linguagem (PL). Vários estudos já efectuados indicam que 50% a 80% das crianças que são apoiadas por terapeutas da fala apresentam perturbações da linguagem (Bernstein e Tiegerman, 1993; Wiig, 1986, referido por Fad e Kipping, 2001). Para os professores, estes resultados levantaram uma questão pertinente, a de que a intervenção nas PL deve passar a ser, tanto da sua responsabilidade, como dos terapeutas da fala, dos pais, etc. Tal como acontece com as perturbações da fala, o conhecimento da sequência normal do desenvolvimento da linguagem é fundamental quando se intervém em crianças com PL, uma vez que algumas crianças podem apresentar um atraso no desenvolvimento da linguagem, mas, ainda assim, adquirirem competências linguísticas na mesma sequência. Outras crianças podem adquirir algumas competências linguísticas de acordo com a sua idade cronológica, mas no entanto apresentarem dificuldades em outras áreas.
Tradicionalmente a aprendizagem da linguagem assentava em vários procedimentos orientados pelo adulto, em que este seleccionava e controlava em simultâneo o tópico e as tarefas ao nível das interacções; uma apresentação rígida num formato constituído por três partes ("pedido-resposta-correcção"); pouca flexibilidade ao nível da utilização de materiais pedagógicos, sendo frequentemente utilizadas figuras e réplicas de objectos; e a existência de feedback repetitivo e em situações pouco naturais, como por exemplo: "muito bem" e "está certo" (McCormick, Loeb e Schiefelbusch, 1997; Reed, 1994).
Nas últimas décadas, a evolução do conhecimento no que se refere à aquisição e desenvolvimento da linguagem tem contribuído para uma alteração dos métodos utilizados. Na escola, a linguagem é ensinada num contexto de rotinas diárias e interacções conversacionais, utilizando métodos que são interactivos em contextos naturais (McCormick, Loeb e Schiefelbusch, 1997; Polloway, Patton e Serna, 2000).
O facto de o processo de ensino-aprendizagem se proporcionar tanto na sala de aula como noutros ambientes do contexto educacional (recreios, refeitórios, etc.), onde as crianças desejam e necessitam de utilizar a linguagem, fomenta várias vantagens significativas:
  • a possibilidade de generalizar novas competências e conceitos, devido às inúmeras oportunidades de prática e a sua utilização tanto em interacções sociais como académicas;
  • as crianças recebem um apoio contínuo, porque os profissionais aprendem a incluir a linguagem e a sua prática nas actividades diárias;
  • o aparecimento de problemas relacionados com a falta de assiduidade da criança durante os períodos académicos e um maior isolamento dos seus pares que pode ocorrer quando as crianças são regularmente retiradas da sala, podem assim ser evitados. (McCormick, Loeb e Schiefelbusch, 1997; Kuder, 1997)
Com base no exposto, vamos de seguida apresentar alguns métodos que têm como fim o desenvolvimento e aprendizagem da linguagem (Fey, Windsor e Warren, 1995; McCormick, Loeb e Schiefelbusch, 1997):

1. Estratégias naturais (milieu) de ensino da linguagem
As estratégias naturais de ensino são um termo genérico que engloba diversos procedimentos naturais de ensino (McCormick, Loeb e Schiefelbusch, 1997), pertinentes no âmbito da intervenção da linguagem.
De acordo com Hart e Risley (1968), citados por Loeb e Schiefelbusch (1997), este método é baseado em observações de adultos em interacção com crianças, nomeadamente ao nível dos seguintes parâmetros:
  • falar sobre objectos, acontecimentos e/ou relações que atraíram a atenção da criança;
  • imitar, modelar e expandir os desejos e efeitos actuais da comunicação da criança;
  • repetir e clarificar palavras, afirmações e pedidos que a criança parece não entender;
  • utilizar técnicas como: falar mais alto e tentar de variadas formas conseguir chamar a atenção da criança para elementos importantes de frases produzidas.
Apesar de inseridas numa abordagem comportamental da intervenção linguística, as estratégias naturais de ensino não utilizam um formato de ensino rígido e directo. Os tópicos de cada interacção e o reforço são definidos pela criança (McCormick, Loeb e Schiefelbusch, 1997). Os objectivos a atingir incluem o aumento de frequência de comportamentos comunicativos, a produção de frases mais extensas/complexas e a expressão de funções linguísticas com formas gramaticalmente avançadas. Os elementos básicos deste método são: a organização dos ambientes de forma a criar motivos para comunicar; a identificação dos objectivos da comunicação e linguagem e a implementação dos procedimentos que requerem a presença de um adulto para ser mediador entre a criança e as actividades (McCormick, Loeb e Schiefelbusch, 1997).

2. Procedimentos de Scaffolding
Este método consiste no apoio à criança para que ela venha a ser capaz de compreender e utilizar a linguagem num nível mais complexo do que aquele produzido por ela de forma independente (Bailey e Wolery, 1992; Nelson e Hoskins, 1997; McCormick, Loeb e Schiefelbusch, 1997; Sprinthall e Sprinthall, 1993). Com este tipo de apoio ela conseguirá compreender e produzir qualquer componente da linguagem, incluindo vocábulos específicos, linguagem figurativa, estruturas sintácticas ou elementos de um discurso. À medida que a criança se torna mais independente no uso da linguagem, o apoio é reduzido de forma gradual. Por exemplo, quando se está a ler um conto a um grupo de crianças ou a uma criança com problemas cognitivos severos, o apoio pode tomar a forma de questões acerca dos elementos do conto ("O conto é sobre o quê?", "Em que lugar aconteceu?"). Com crianças mais velhas, as questões podem focar aspectos mais complexos, tal como as motivações das personagens, etc. (McCormick, Loeb e Schiefelbusch, 1997; Nelson e Hoskins, 1997).
Em interacções típicas de adulto-criança, geralmente o adulto solicita apenas os comportamentos, ao nível das competências motoras e linguísticas, que sabe que a criança é capaz de produzir. À medida que as dificuldades aumentam, é dado à criança, sempre de forma gradual, o apoio suficiente para que ela tenha oportunidade de sucesso e, ao mesmo tempo, esteja suficientemente exposta à aprendizagem (McCormick, Loeb e Schiefelbusch, 1997; Fey, Windsor e Warren 1995; Nelson e Hoskins, 1997).


3. Ensino inserido nas rotinas
As rotinas são consideradas actividades que pretendem desenvolver a socialização ou manutenção dos objectivos que são repetidos frequentemente, numa base diária, e quase sempre da mesma forma (Cole, 1982; Reed, 1994; McCormick, Loeb e Schiefelbusch, 1997). Promovem excelentes oportunidades para ensinar sequências comportamentais, incluindo formas e funções da linguagem. As rotinas sociais incluem jogos, rimas, anedotas, canções, contos, actividades sociais e de cortesia. As rotinas de manutenção podem incluir actividades de sala de aula relacionadas com os serviços da comunidade (por exemplo, recolher dinheiro para comprar algo, esperar para ser atendido, etc.), actividades de preparação (por exemplo, formar uma fila, preparação para ir para o recreio e/ou para o almoço, sair da tarefa, etc.) e rotinas funcionais (por exemplo, limpar, distribuir materiais, ir à casa de banho, etc.). Tanto as rotinas sociais como as de manutenção podem ser consideradas e ensinadas como guiões (McCormick, Loeb e Schiefelbusch, 1997).
As salas dos níveis de ensino pré-escolar e primeiros anos do ensino básico podem implementar rotinas a desenvolver como contextos de ensino-aprendizagem (Fey, Windsor e Warren, 1995), onde algumas promovem melhores contextos para o desenvolvimento da linguagem e comunicação do que outras. Quando se selecciona uma rotina para utilizar como contexto de ensino-aprendizagem, temos de considerar o tipo de materiais, o tempo requerido e o número de repetições das componentes da acção e sub-rotinas (McCormick, Loeb e Schiefelbusch, 1997). Segundo Nelson e Hoskins (1997), as questões que se seguem podem ser adicionadas ao processo de selecção das rotinas a implementar no apoio e facilitação da linguagem:
A rotina inclui uma variedade de objectos/materiais atractivos, interessantes e desejáveis? Uma vez que os objectos/materiais interessantes facilitam a estimulação da linguagem e comunicação.
A rotina pode ser rapidamente concluída? Quanto mais rapidamente for concluída e iniciada outra, maior número de oportunidades de comunicação irão surgir.
A rotina contém muitas acções? Cada acção numa rotina é uma oportunidade de desenvolver linguagem, por isso, quanto mais acções existirem, mais oportunidades irão aparecer.
Uma vez seleccionada e estabelecida a rotina, e considerando que a criança já aprendeu a sequência das acções, podemos interromper ou modificar a rotina.

4. Intervenções através do ensino directo
Neste tipo de intervenção, as rotinas são mais estruturadas e sistemáticas. Uma sequência típica de ensino directo poderá ser, segundo McCormick, Loeb e Schiefelbusch (1997):
seleccionar três a quatro actividades (3 a 13 minutos de duração) no contexto de prática;
implementar a análise de tarefas para cada uma das actividades e ensinar as componentes ou subtarefas à criança com PL;
ensinar aos pares sem PL (antes do ínicio de cada actividade) a esperar que seja o seu par com PL a iniciar a interacção;
utilizar o reforço e a ajuda de forma a encorajar a iniciativa no jogo/brincadeira (caso a criança com PL não se aproximar do contexto do jogo e não iniciar interacções com os seus pares);
permitir que a criança brinque sózinha durante 2 a 6 minutos depois da sequência estar completa.
Algumas sugestões de forma a facilitar as interacções sociocomunicativas entre as crianças são ainda apresentadas por Bailey e Wolery (1992) e Kuder (1997):
Incluir as crianças sem PL como tutores e não como principais intervenientes. Não deverá ser esperado que elas ensinem objectivos específicos de linguagem ou de comunicação.
Ensinar estratégias sociocomunicativas a todas as crianças, durante as interacções.
Começar as actividades com as crianças que têm maiores possibilidades de sucesso (as crianças com PL podem comunicar frequentemente através de gestos, palavras ou sinais).
Focar o ensino individualizado nas competências apropriadas espontâneas de iniciativa e de resposta.
Ensinar as estratégias de conversação, no sentido de facilitar as interacções sociocomunicativas (conseguir a atenção, contacto visual, comentar, responder, pedir informação, tomar a vez, etc.).
Utilizar o ensino directo e implementar o ensino de competências específicas de interacções entre pares (demonstrações, ajudas, role playing e feedback ).
Programar a manutenção e generalização, nomeadamente ao permitir mais tempo para aprender novas competências; tornar as interacções entre pares uma componente regular das rotinas da sala de aula; fornecer sistematicamente reforço e ajudas e ensinar as competências sociocomunicativas que aparentam ser as mais funcionais para a criança.


Adaptado de:
Bailey, D. e Wolery, M. (1992). Teaching infants and preschoolers with disabilities. New York: Merrill.
Bernstein, K. e Tiegerman, E. (1993). Language and communication disorders in children. New York: Macmillan Publishing
Cole, P. (1982). Language disorders in preschool children. New Jersey: Prentice-Hall, Inc. Correia, L.M. (1997). Alunos com necessidades educativas especiais nas classes regulares. Porto: Porto Editora.
Fad, K M. e Kipping, P. (2001). Teaching students with communication disorders. In T. Smith, E. Polloway, J. Patton, e C. Dowdy (pp. 288-321). Teaching students with special needs in inclusive settings. Boston: Allyn and Bacon.
Fey, M., Windsor, J. e Warren, S. (1995). Language intervention: preschool through the elementary years. Communication and Language Intervention Series- Vol. 5. Baltimore: Paul Brookes Publishing Co.
Kuder, S. J. (1997). Teaching students with language and communication disabilities. Boston: Allyn and Bacon.
McCormick, L., Loeb, D. e Schiefelbusch, R. (1997). Supporting children with communication difficulties in inclusive settings. Boston: Allyn and Bacon.
Nelson, N. e Hoskins, B. (1997). Strategies for supporting classroom success: focus on communication. San Diego: Singular Publishing Group, Inc.
Polloway, E., Patton, J. e Serna, L. (2001). Strategies for teaching learners with special needs. New Jersey: Prentice-Hall, Inc.
Reed, V. (1994). An introduction to children with language disorders. New York: Macmillan Publishing Company.
Sprinthall, N. e Sprinthall, R. (1993). Psicologia educacional. Lisboa: Editora McGraw-Hill.

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